O grande apologista cristão Peter Kreeft, escreve em uma de suas obras um dialogo entre Martinho Lutero e São Tomás de Aquino, onde a interpretação particular das escrituras é colocada em xeque, acaso o puro raciocínio lógico resolveria a questão? Vejamos:
AQUINO:
Ora, julgo que posso provar-te que a interpretação privada leva-nos ao erro se tu, apenas, permitires que eu faça-te algumas perguntas no estilo socrático.
LUTERO:
Faze-as.
AQUINO:
Tu pensas que meu Catolicismo vem de mim ou de Deus? É o Espírito Santo que me induz à submissão à Igreja Católica e ao Papa e a acreditar em todos estes ensinamentos que tu rejeitas ou é meu próprio espírito humano?
LUTERO:
Teu espírito humano obviamente.
AQUINO:
Então, ao assim proceder, caí em erro, tu dizes.
LUTERO:
De fato.
AQUINO:
Então, a interpretação privada leva-nos ao erro.
LUTERO:
Isto é um sofisma!
AQUINO:
Não, é apenas lógica. Um de dois contraditórios deve ser falso. Objetas a isto?
LUTERO:
Não…
AQUINO:
E nossas duas posições são contraditórias, tu o dizes?
LUTERO:
Sim. Espere — suponha que eu diga não?
AQUINO:
Então, recebo-te com braços abertos à união e à reconciliação com Roma!
LUTERO:
E se eu disser que são contraditórias?
AQUINO:
Então, um de nós foi levado ao erro.
LUTERO:
Sim.
AQUINO:
Logo, a interpretação privada leva ao erro.
Na figura de São Tomás de Aquino, Peter Kreeft nos demonstra logicamente que, se não é o Espírito Santo que nos leva ao Catolicismo, e sim a nossa interpretação pessoal, o Sola Scriptura é falho; pois se a interpretação pessoal dos textos bíblicos é um equivoco, é mesmo de fato o Espírito Santo que nos conduz à religião Verdadeira, Católica.
Não nos esqueçamos que fazer uso do livre exame das escrituras e tirar conclusões pessoais – que contradizem a legítima interpretação das escrituras ensinada pelo magistério da Igreja – é perigoso e pode levar à ruína. A Bíblia isolada, separada da Tradição Apostólica, pode ser interpretada de diversas formas diferentes contraditórias à real interpretação, inclusive criando situações infundadas, baseadas em interpretações errôneas das Escrituras, assim como fez o próprio diabo:
o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra”. (Mt 4, 5-7)
Logo, pode-se criar “base bíblica” para corromper, enganar, atacar a verdade, proibir o que não se deve proibir, liberar o que não se deve liberar. Ora, é possível deturpar as Escrituras para “transformar” mentira em verdade e vice-versa. É possível usar as Escrituras para arruinar a vida do próximo e até a própria vida:
Isto mesmo faz ele em todas as suas cartas, ao falar nelas desse tema. É verdade que em suas cartas se encontram alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes torcem, como fazem com as demais Escrituras, para a sua própria perdição. Vós, portanto, amados, sabendo-o de antemão, precavei-vos, para não suceder que, levados pelo engano desses ímpios, venhais a cair da vossa firmeza.(2 Pe 3, 16-17)
Infelizmente essa é a realidade que vemos em milhares de grupos separados da Igreja Católica, que se apoiam nas Escrituras, mas que não se entendem entre si, pois não à interpretam da mesma forma: onde uns guardam o sábado, outros o domingo; uns batizam crianças, outros não; uns dizem que já estão salvos antecipadamente, outros não; uns calvinistas, outros arminianos; fora os Testemunhas de Jeová, Mórmons, Neo-Pentecostais, etc. A cada desavença vão fundando novas denominações e se separando cada vez mais, é a reforma da reforma sem fim, e cresce a cada dia o numero de “Desigrejados”.
Raciocinemos, não é difícil de entender que entre numerosos contraditórios, apenas um pode conter a verdade integral, enquanto todos os outros são falsos, ou no máximo contém verdades incompletas. Ora, trata-se de lógica, um de dois contraditórios deve ser falso.
Acaso o Deus perfeito, deixaria seus textos Sagrados à mercê de tantos erros? É obvio que não, é necessário que exista uma legítima interpretação das Escrituras. Deus, em sua infinita perfeição, nos deixou sua Igreja visível na terra (cf. Mt 16,18), que através da Sucessão Apostólica permanece até os dias de hoje, e para garantir que as Escrituras sejam compreendidas corretamente por nós, Deus guia a autoridade de ensino da Igreja – o Magistério – para que esta possa interpretar perfeitamente a Bíblia e a Sagrada Tradição. É a mesma autoridade dos bispos, que reunidos nos primeiros séculos, aprovaram o cânon da Bíblia.
Peter Kreeft nasceu em família protestante (calvinista) e converteu-se ao catolicismo romano após viver uma profunda busca pela verdade, hoje é mestre e doutor pela Fordham University, e também considerado um dos maiores escritores apologistas dos Estados Unidos.
Referência: Livro Triálogo de Peter Kreeft entre Lutero, Tomás de Aquino e C. S. Lewis, comentado por Veritatis Catholicus.