O que é a Sucessão Apostólica, a Tradição da Igreja e o Sagrado Magistério? Iniciemos pela Bíblia, observando que ela nos mostra que quando Deus criou o universo, usou de Sua Palavra:
Deus disse: “Haja luz” e houve luz. (Gn 1,3)
O Evangelho de João define Deus como o Verbo Eterno:
No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. […] Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. (Jo 1,1.3)
Jesus é a Palavra de Deus, o Cristo, o Verbo Inicial:
E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade. (Jo 1, 14)
Essa Palavra Eterna (o Verbo) é a mesma do princípio, de hoje e sempre, pois está escrito:
Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje e eternamente. (Hb 13, 8)
Jesus, o Verbo encarnado, escolheu doze dentre os seus seguidores:
Naqueles dias, ele foi à montanha para orar e passou a noite inteira em oração a Deus. Depois que amanheceu, chamou os discípulos e dentre eles escolheu doze, aos quais deu o nome de apóstolos: Simão, a quem impôs o nome de Pedro, seu irmão André, Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Simão, chamado Zelota, Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que se tornou um traidor. (Lc 6, 12-16)
Observemos que o líder dos apóstolos (cf. Mt 16,17-19; Jo 21,15-17; Lc 22,31) foi citado como primeiro dessa lista, assim como em outras listas que enumeram os apóstolos (Mt 10,2; Mc 3,16; At 1,13).
Seriam eles os encarregados de perpetuarem a Sua Palavra. Como Cristo é a Palavra do Pai, ao fazerem viva Sua Palavra, fariam vivo o próprio Cristo. Os apóstolos foram os escolhidos para transmitir a Palavra de Deus, ou seja, o próprio Senhor Jesus. Uma vez que a palavra em Hb 13,8 é uma verdade imutável, e no passado Deus quis manifestar-Se e ensinar a doutrina da verdade, hoje também assim o deseja. Para isso, certificou-se de escolher os doze para continuarem a obra.
Ora, por que Cristo escolheu um “grupo de elite” dentre todos os crentes? A Bíblia nos revela que os apóstolos, os membros desse seleto grupo, foram os únicos que estiveram presentes nos grandes momentos da vida publica de Jesus, como na instituição da Eucaristia (Ultima Ceia), na confissão de Pedro acerca da divindade do Messias, na explicação das parábolas, na pesca milagrosa, na transfiguração, nas instruções sobre o Espirito Santo, na aparição no Cenáculo depois da ressurreição, na suprema angustia do Horto das Oliveiras, entre outros.
Essa coesão se dava em virtude do Espirito e pelo próprio propósito da vocação apostólica: ensinar a Palavra, o Verbo, o Mestre. Jesus subiria para junto do Pai e não seria mais visível, então foi preciso deixar ao povo lideranças visíveis da Igreja, agindo com o poder do Deus invisível, os apóstolos foram Seus representantes visíveis na Terra: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. Deus enviou Jesus, Jesus enviou Seus apóstolos. Receberam, por isso, o sopro da unção característica de sua própria missão:
Ele lhes disse de novo: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio“. Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos“. (Jo 20, 21-23)
O Espirito Santo era encarregado de guiá-los na verdade, e não somente na verdade, mas em toda a verdade:
Tenho ainda muito que vos dizer, mas não podeis agora suportar. Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse: ele receberá do que é meu e vos anunciará. (Jo 16, 12-15)
Então os apóstolos proclamavam a verdade, A Palavra de Deus, os fundamentos da Igreja, a sã doutrina da Salvação, e ensinavam os primeiros convertidos, doutrinavam a Igreja que crescia:
Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. (At 2, 42)
A partir daqui, se faz necessário abordar a continuação dessa representação visível da Igreja na história, a qual conhecemos por Sucessão Apostólica. Logicamente não faria sentido Jesus designar homens apenas para aquela geração, foi necessário que os cristãos de todos os tempos e lugares também pudessem ter acesso a homens com autoridade para perdoar seus pecados, além de ministrar os demais sacramentos, transmitir os ensinamentos de Cristo, ensinar a correta interpretação das Escrituras, entre outras coisas. Além do mais, em nenhum lugar da Bíblia está escrito que essa autoridade dada por Jesus cessaria com a morte dos apóstolos.
Contudo, a Sucessão Apostólica é um fato histórico comprovado em documentos dos primeiros séculos da Igreja (Patrística), mas na própria Bíblia isso já pode ser observado, por exemplo nos Atos dos Apóstolos, vemos o inicio da Sucessão Apostólica; Como o Apóstolo Judas Iscariotes suicidou-se, os apóstolos se reuniram e elegeram Matias para o seu lugar, Matias sucedeu Judas:
Irmãos, era preciso que se cumprisse a Escritura em que, por boca de Davi, o Espírito Santo havia de antemão falado a respeito de Judas, que se tornou o guia daqueles que prenderam a Jesus. Ele era contado entre os nossos e recebera sua parte neste ministério. […] É necessário, pois, que, dentre estes homens que nos acompanharam todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu em nosso meio, a começar do batismo de João até o dia em que dentre nós foi arrebatado, um destes se torne conosco testemunha da sua ressurreição. Apresentaram então dois: José, chamado Barsabás e cognominado Justo, e Matias. E fizeram esta oração: “Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, mostra-nos qual destes dois escolheste para ocupar o lugar que Judas abandonou, no ministério do apostolado, para dirigir-se ao lugar que era o seu”. Lançaram sortes sobre eles, e a sorte veio a cair em Matias, que foi então contado entre os doze apóstolos. (Atos 1,16-17; 21-26)
O livro dos Atos dos Apóstolos nos narra que os apóstolos organizavam Igrejas por onde passavam e designavam anciãos (líderes / presbíteros) para elas:
Em cada Igreja designaram anciãos e, depois de terem orado e jejuado, confiaram-nos ao Senhor, em quem tinham crido. (Atos 14, 23)
Os apóstolos estabeleciam as regras a serem observadas pelas Igrejas, ordenando com toda autoridade a eles conferida por Cristo:
Ao passarem pelas cidades, transmitiam-lhes, para que as observassem, as decisões sancionadas pelos apóstolos e anciãos de Jerusalém. Assim as Igrejas eram confirmadas na fé e cresciam em número, de dia para dia. (Atos 16, 4-5)
De resto, viva cada um segundo a condição que o Senhor lhe assinalou em partilha e na qual ele se encontrava quando Deus o chamou. É o que prescrevo em todas as Igrejas. (1Coríntios 7, 17)
Os apóstolos nomeavam presbíteros, posteriormente, os presbíteros já ordenados também passaram a nomear novos presbíteros para as Igrejas. Veja que Paulo menciona a ordenação de Timóteo como presbítero através da imposição das mãos que lhe foi feita, e o exorta a não instituir qualquer pessoa como novo presbítero, Paulo também o instrui de como agir com os novos presbíteros ordenados (Em algumas traduções presbitério pode aparecer como colégio de presbíteros ou conselho de anciãos, que são expressões sinônimas):
Não descuides do dom da graça que há em ti, que te foi conferido mediante profecia, junto com a imposição das mãos do presbitério. (1Timóteo 4, 14).
Os presbíteros que exercem bem a presidência são dignos de dupla remuneração, sobretudo os que trabalham no ministério da palavra e na instrução. Com efeito, diz a Escritura: Não amordaçarás o boi que debulha. E ainda: O operário é digno do seu salário. Não aceites denúncia contra um presbítero senão sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Repreende os que pecam, diante de todos, a fim de que os demais temam. Conjuro-te, diante de Deus e de Cristo Jesus e dos anjos eleitos, que observes estas regras sem preconceito, nada fazendo por favoritismo. A ninguém imponhas apressadamente as mãos, não participes dos pecados de outrem. A ti mesmo, conserva-te puro. (1Timóteo 5, 17-22)
Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus. O que de mim ouviste na presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para ensiná-lo a outros. (2Timóteo 2, 1-2)
Temos aqui a indicação de que ninguém podia sair por aí se autoproclamando Apóstolo, Bispo, etc, como hoje fazem os pastores protestantes. Para que alguém fosse nomeado presbítero de forma válida, deveria o aspirante ser ordenado: ou por um próprio Apóstolo; ou por presbíteros ordenados por outros presbíteros até se chegar aos apóstolos. A esta legítima linha de sucessão chamamos de Sucessão Apostólica.
O mesmo ocorre com Tito, que também sendo um presbítero, é enviado por Paulo para organizar as igrejas e instituir novos presbíteros:
Eu te deixei em Creta para cuidares da organização e ao mesmo tempo para que constituas presbíteros em cada cidade, (Tito 1, 5)
Observemos que o celibato, mesmo sendo recomendado por Paulo na época (cf. I Coríntios 7 1. 7-9; 25-28; 32-35) e comentado pelo próprio Jesus (cf. Mt 19, 11-12), não foi obrigatório para os sacerdotes em todos os tempos da Igreja. Os novos convertidos aspirantes ao episcopado, provavelmente muitos deles já eram casados quando se converteram, assim como o Apóstolo Pedro já era casado quando começou a seguir Jesus, por isso, naquela época, o celibato seria uma exigência incabível para a realidade da Igreja que nascia, contudo, Paulo ao invés de exigir, apenas recomendava o celibato.
Hoje em dia entendemos a beleza do celibato para o sacerdote, que seguindo o próprio Cristo como exemplo, se abstêm de ser pai de família para entregar 100% de sua vida às coisas de Deus e aos assuntos da Igreja, como o próprio Paulo recomendou. Lembrando que é uma escolha do fiel: ou ajudar a Igreja e ser pai de família ao mesmo tempo, ou entregar sua vida inteiramente a Deus. Ninguém é obrigado a ser sacerdote e viver o celibato.
Raciocinemos, o fato dos primeiros presbíteros não serem celibatários não os invalida como presbíteros devidamente ordenados daquela época, muito menos invalida a ordenação de seus sucessores que viveram o celibato, assim como o fato do Apóstolo Pedro ter sido casado não o invalida como primeiro líder da Igreja, nem invalida a liderança de seus sucessores que viveram o celibato, um fato histórico não anula o outro. Retornemos aos textos em Tito:
Eu te deixei em Creta para cuidares da organização e ao mesmo tempo para que constituas presbíteros em cada cidade, cada qual devendo ser, como te prescrevi, homem irrepreensível, esposo de uma única mulher, cujos filhos tenham fé e não possam ser acusados de dissolução nem de insubordinação. Porque é preciso que, sendo ecônomo das coisas de Deus, o epíscopo seja irrepreensível, não presunçoso, nem irascível, nem beberrão ou violento, nem ávido de lucro desonesto, mas seja hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo, piedoso, disciplinado, de tal modo fiel na exposição da palavra que seja capaz de ensinar a sã doutrina como também de refutar os que a contradizem. (Tito 1, 5-9)
A continuação desse mesmo texto nos mostra que já naquele tempo, haviam pessoas que ensinavam doutrinas erradas com o objetivo de lucrar financeiramente, assim como vemos em nossos tempos, muitos falsos pastores que enganam tantos humildes:
Com efeito, há muitos insubmissos, palavrosos e enganadores, especialmente no partido da circuncisão, aos quais é preciso calar, pois estão pervertendo famílias inteiras, e, com objetivo de lucro ilícito, ensinam o que não têm direito de ensinar. Um dos seus próprios profetas disse: “Os cretenses são sempre mentirosos, animais ferozes, comilões vadios”. “Este testemunho é verdadeiro; repreende-os, portanto, severamente, para que sejam sãos na fé, e não fiquem dando ouvidos a fábulas judaicas ou a mandamentos de homens desviados da verdade. Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro: tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas. Afirmam conhecer a Deus, mas negam-no com os seus atos, pois são abomináveis, desobedientes e incapazes para qualquer boa obra. (Tito 1,10-16)
É oportuno observar que eram severamente repreendidos pelos apóstolos os que se desviavam da verdade, pregando doutrinas diferentes que divergiam da sã doutrina ensinada por Cristo:
Esta é a instrução que te confio, Timóteo, meu filho, segundo as profecias pronunciadas outrora sobre ti: combate, firmado nelas, o bom combate, com fé e boa consciência; pois alguns, rejeitando a boa consciência, vieram a naufragar na fé. Dentre esses se encontram Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, a fim de que aprendam a não mais blasfemar. (1Timóteo 1, 18-20)
…entre os quais se acham Himeneu e Fileto. Eles se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já se realizou; estão pervertendo a fé de vários. (2Timóteo 2,17-18)
Voltando à Sucessão Apostólica, Paulo deixou muitas recomendações aos novos presbíteros ordenados, com o objetivo de prepará-los bem (Lembremos que a questão do celibato já foi abordada acima):
Fiel é esta palavra: se alguém aspira ao episcopado, boa obra deseja. É preciso, porém, que o epíscopo seja irrepreensível, esposo de uma única mulher, sóbrio, cheio de bom senso, simples no vestir, hospitaleiro, competente no ensino, nem dado ao vinho, nem briguento, mas indulgente, pacífico, desinteresseiro. Que ele saiba governar bem a sua própria casa, mantendo os seus filhos na submissão, com toda dignidade. Pois se alguém não sabe governar bem a própria casa, como cuidará da Igreja de Deus? Que ele não seja um recém-convertido, a fim de que não se ensoberbeça e incorra na condenação que cabe ao diabo. Além disso, é preciso que os de fora lhe deem um bom testemunho, para não cair no descrédito e nos laços do diabo. Os diáconos igualmente devem ser respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados ao vinho, sem cobiçar lucros vergonhosos, conservando o mistério da fé com uma consciência limpa. Também estes sejam primeiramente experimentados e, em seguida, se forem irrepreensíveis, sejam admitidos na função de diáconos. Também as mulheres devem ser respeitáveis, não maldizentes, sóbrias, fiéis em todas as coisas. Que os diáconos sejam esposos de uma única mulher, governando bem os seus filhos e a sua própria casa. Pois aqueles que exercem bem o diaconato conquistam para si mesmos um posto de honra, bem como muita intrepidez fundada na fé em Cristo Jesus. Escrevo-te estas coisas esperando encontrar-te dentro em breve. Todavia, se eu tardar, saberás como proceder na casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo: coluna e sustentáculo da verdade. Seguramente, grande é o mistério da piedade: Ele foi manifestado na carne, justificado no Espírito, contemplado pelos anjos, proclamado às nações, crido no mundo, exaltado na glória. (1Timóteo 3, 1-16)
Cada nova Igreja tinha seus presbíteros devidamente ordenados, a Sucessão Apostólica perpassa por todos os séculos da Igreja, e assim até os dias atuais, os bispos da Igreja são sucessores dos apóstolos e os sacerdotes seus colaboradores, como veremos mais à frente.
Relembrando a missão dos apóstolos, que era de manifestar a Cristo, e concatenando-a com as constatações de sucessão apostólica e de fundamento doutrinal, observemos outro exemplo da autoridade definitiva dos apóstolos, em que no primeiro concílio da Igreja (Concílio de Jerusalém, 51 d.C.) submetem aos apóstolos questões doutrinais, tais como as obrigações do rito mosaico na vida dos cristãos:
Entretanto, haviam descido alguns da Judéia e começaram a ensinar aos irmãos: “Se não vos circuncidardes segundo a norma de Moisés, não podereis salvar-vos”. Surgindo daí uma agitação e tornando-se veemente a discussão de Paulo e Barnabé com eles, decidiu-se que Paulo e Barnabé e alguns outros dos seus subiriam a Jerusalém, aos apóstolos e anciãos, para tratar do problema. Eles, despedidos afavelmente pela Igreja, atravessaram a Fenícia e a Samaria, narrando a conversão dos gentios e causando grande alegria a todos os irmãos. Chegados a Jerusalém, foram acolhidos pela Igreja, pelos apóstolos e anciãos, e relataram tudo o que Deus fizera junto com eles. Então, alguns dos que tinham sido da seita dos fariseus, mas haviam abraçado a fé, intervieram: diziam que era preciso circuncidar os gentios e prescrever-lhes que observassem a Lei de Moisés. Reuniram-se então os apóstolos e os anciãos para examinarem o problema. Tornando-se acesa a discussão, levantou-se Pedro e disse: “Irmãos, vós sabeis que, desde os primeiros dias, aprouve a Deus, entre vós, que por minha boca ouvissem os gentios a palavra da Boa Nova e abraçassem a fé. […] Então pareceu bem aos apóstolos e anciãos, de acordo com toda a Igreja, escolher alguns dentre os seus e enviá-los a Antioquia, junto com Paulo e Barnabé. Foram Judas, cognominado Barsabás, e Silas, homens considerados entre os irmãos. Por seu intermédio, assim escreveram: “Os apóstolos e os anciãos, vossos irmãos, aos irmãos dentre os gentios que moram em Antioquia, na Síria e na Cilícia, saudações! Tendo sabido que alguns dos nossos, sem mandato de nossa parte, saindo até vós, perturbaram-vos, transtornando vossas almas com suas palavras, pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, escolher alguns representantes e enviá-los a vós junto com nossos diletos Barnabé e Paulo, homens que expuseram suas vidas pelo nome de nosso Senhor, Jesus Cristo. Nós vos enviamos, pois, Judas e Silas, eles também transmitindo, de viva voz, estas mesmas coisas. De fato, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias: que vos abstenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas, e das uniões ilegítimas. Fareis bem preservando-vos destas coisas. Passai bem”. Tendo-se despedido, os enviados desceram a Antioquia, onde reuniram a assembléia e entregaram a carta. Feita a sua leitura, alegraram-se pelo consolo que trazia. Entretanto, Judas e Silas, que também eram profetas, falando longamente, exortaram e fortaleceram os irmãos. Passando algum tempo, estes despediram-nos em paz, de volta aos que os tinham enviado. (At 15,1-7; 22-33)
É obvio, então, que no período que se seguiu a Pentecostes, a Igreja nascente era governada e orientada pelos apóstolos, e hoje, por seus sucessores devidamente ordenados.
Mas como foi preservada essa Palavra de Deus confiada aos apóstolos, para que chegasse até nós de forma integra 2000 anos depois? Essa verdade plena, os fundamentos da Igreja, a sã doutrina da Salvação, como perpassa todos os séculos da Igreja e chega até nós?
Sabe-se que na Igreja nascente, a Bíblia, tal como a conhecemos, não havia sido redigida completamente, nem definida em sua canonicidade e infalibilidade. O estudo de documentos históricos nos possibilita descobrir quando foi escrito o primeiro livro do Novo Testamento, trata-se de ciência, fatos históricos comprovados através da arqueologia. Como então, sem as Escrituras completas, os crentes tinham a salvaguarda da verdade? A conclusão lógica e factual é que a Igreja primitiva sobrevivia da Tradição Apostólica:
A Tradição é a palavra de Deus não-escrita, mas ensinada de viva voz por Jesus Cristo e pelos apóstolos que chegou sem alteração, de século em século, por meio da Igreja, até nós. (Catecismo Maior de São Pio X, p. 211)
Em outras palavras, Jesus ensinou de viva voz aos apóstolos que transmitiram aos primeiros bispos e estes porventura transmitiram aos seus sucessores e assim por diante.
Uma das evidências históricas documentadas mais contundentes que nos comprovam a continuidade da Sucessão Apostólica, é a obra Contra as Heresias de Irineu de Lião, †202 d.C., onde ele nos descreve a sucessão de São Pedro (†67 d.C) à Santo Eleutério (†189 d.C), o Papa na época de Santo Irineu. Ao todo, somam doze Papas. Santo Irineu nos confirma o primado da Santa Igreja em Roma, e nos dá a confirmação de que a Igreja edificada por Jesus sobre Pedro e os apóstolos, uma Igreja Visível, não acabou com a morte dos apóstolos. Após o martírio de São Pedro, os apóstolos transmitiram a Lino o governo episcopal, o governo da Igreja Católica:
Portanto, a Tradição dos apóstolos, que foi manifestada no mundo inteiro, pode ser descoberta em toda Igreja por todos os que queiram ver a verdade. Poderíamos enumerar aqui os bispos que foram estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos e seus sucessores até nós; (Santo Irineu de Lião, †202 d.C., Contra as Heresias, Livro III, 3, 1)
Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, (listar) as sucessões de todas as Igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à Igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou por vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela (Igreja de Roma), por causa da sua autoridade preeminente, toda a Igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos. (Santo Irineu de Lião, †202 d.C., Contra as Heresias, Livro III, 3, 2)
Os bem-aventurados apóstolos que fundaram e edificaram a Igreja transmitiram o governo episcopal a Lino, aquele Lino que Paulo lembra na epístola a Timóteo. Lino teve como sucessor Anacleto. Depois dele, em terceiro lugar, depois dos apóstolos, coube o episcopado a Clemente, que tinha visto os próprios apóstolos e estivera em relação com eles, que ainda guardava viva em seus ouvidos a pregação deles e diante dos olhos a Tradição. E não era o único, porque nos seus dias viviam ainda muitos que foram instruídos pelos apóstolos. No pontificado de Clemente surgiram divergências graves entre os irmãos de Corinto. Então a Igreja de Roma enviou aos coríntios uma carta importantíssima para reuni-los na paz, reavivar-lhes a fé e reconfirmar a Tradição que há pouco tempo tinham recebido dos apóstolos […] A este Clemente sucedeu Evaristo; a Evaristo, Alexandre; em seguida, sexto depois dos apóstolos foi Sisto; depois dele, Telésforo, que fechou a vida com gloriosíssimo martírio; em seguida Higino; depois Pio; depois dele, Aniceto. A Aniceto sucedeu Sóter e presentemente, Eleutério, em décimo segundo lugar na sucessão apostólica, detém o pontificado. Com esta ordem e sucessão chegou até nós, na Igreja, a Tradição apostólica e a pregação da verdade. Esta é a demonstração mais plena de que é uma e idêntica a fé vivificante que, fielmente, foi conservada e transmitida, na Igreja, desde os apóstolos até agora. (Santo Irineu de Lião, †202 d.C., Contra as Heresias, Livro III, 3, 3)
Sempre, desde o tempo dos Apóstolos, houve uma autoridade central, a qual todas as Igrejas particulares deveriam estar de acordo. Essa autoridade foi estabelecida sobre Pedro e seus sucessores, Bispos de Roma. Isso, por óbvio, para garantir a unidade na verdadeira Fé apostólica. Esta é a Tradição Viva da Igreja. A Sucessão Apostólica que a Santa Igreja Católica possui.
Antes de prosseguir a leitura, ouça esse áudio do Padre Paulo Ricardo sobre a Igreja Antiga:
Conforme ensinado no áudio, através da arqueologia, sabe-se que o primeiro livro do Novo Testamento a ser escrito foi a Primeira Carta aos Tessalonicenses, redigido pelo apostolo Paulo em 50 d.C. quase 20 anos após a Ascensão de Jesus, e o ultimo livro do Novo Testamento foi o Apocalipse escrito por volta do ano 100 d.C. Ora, acaso a Igreja esperou o Novo Testamento terminar de ser escrito e organizado para ser a Igreja? Não, a Igreja não nasceu com a Bíblia completa escrita, finalizada e organizada.
Observemos que mesmo no século II, ainda não existia nenhuma relação definitiva identificando quais livros eram gnósticos, quais eram apócrifos e quais eram canônicos e infalíveis, logo, torna-se pertinente questionar: A Igreja aguardou o cânon dos 27 livros do Novo Testamento ser definido para ser a Igreja?
É obvio que não, a Igreja já vivia a Palavra de Deus antes mesmo da conclusão do Novo Testamento, a Igreja sobrevivia da Tradição Apostólica, e assim sobreviveu durante os primeiros séculos, pois mesmo posteriormente, com o Novo Testamento finalizado e com o cânon definido, lembremos que a imprensa surgiu apenas no século XV, e naquela época os escritos eram copiados a mão, palavra por palavra, e logicamente, com as dificuldades da época, cada fiel não tinha em casa uma cópia completa das Escrituras, como hoje nós temos. Nos primeiros séculos a Palavra de Deus foi conservada e transmitida através da Tradição.
Raciocinemos, nunca na história cristã existiu a Bíblia completa sem que existisse a Igreja, porém, nos primeiros séculos, existia a Igreja sem que a Bíblia completa existisse, logo, a Igreja não nasceu da Bíblia, pelo contrário, a Bíblia nasceu da Igreja. O cânon (lista dos livros inspirados) que utilizamos até os dias atuais, foi proclamado pela primeira vez no Concílio de Hipona (393 d.C), e reafirmado em diversos concílios seguintes.
Quem decidiu quais livros fariam parte da Bíblia? Acaso desceram anjos dos céus com a lista dos livros que eram inspirados e formariam o Novo Testamento? Não, quem aprovou esse cânon de 27 livros inspirados utilizados até hoje por todos os cristãos, foi a Igreja oriunda da Sucessão Apostólica, a Igreja Católica. A Bíblia, como a conhecemos, foi definida em reuniões de bispos, sucessores dos apóstolos que, como tais, usaram sua autoridade para especificar a Palavra escrita, e separar o ortodoxo do herético, usaram os poderes atribuídos por Cristo e definiram o cânon sagrado.
Ora, se a Palavra de Deus foi preservada fielmente pela Tradição Apostólica, e se a Bíblia como temos hoje é fruto da única Igreja cristã existente na época, assistida pelo Espírito Santo, ao aceitar a autoridade do fruto dessa Igreja, a Bíblia, automaticamente se está aceitando a autoridade de quem gerou o fruto, a Igreja.
Como alguém pode dizer que aceita a autoridade contida no fruto dessa Igreja, a Bíblia, mas não aceita a autoridade dessa Igreja em si, que foi, e continua ser assistida pelo Espírito Santo? Santo Agostinho já dizia:
Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja Católica (Santo Agostinho, †430 d.C)
E mesmo depois de tantas revoluções que se levantaram contra a Igreja, essa mesma fé professada nos primeiros séculos continua intacta, foi preservada pela Tradição Apostólica e permanece até os dias de hoje:
Nenhum Protestante deveria citar a Escritura, porque ele não tem meios de saber quais são os livros inspirados; a menos que, é claro, queira aceitar a autoridade da Igreja Católica com relação à essa questão. (Fr. William Most, †1999)
Além disso, encontramos na própria Bíblia outros pontos que nos mostram a importância da Tradição, por exemplo quando nos é relatado que nem tudo foi escrito:
Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam. (Jo 21, 25)
Teria muitas coisas a te escrever, mas não quero fazê-lo com tinta e pena. Espero ver-te em breve e então falaremos face a face. (III Jo 1, 13-14)
Não existe um versículo sequer em toda Bíblia afirmando que apenas a própria Bíblia é fonte de fé, nenhum versículo sequer afirmando que somente nas Sagradas Escrituras encontra-se a Revelação Divina, na verdade, a Bíblia nos ensina o contrário disso:
Portanto, irmãos, ficai firmes; guardai as tradições que vos ensinamos oralmente ou por escrito. (II Tess 2,15)
Eu vos louvo por vos recordardes de mim em todas as ocasiões e por conservardes as tradições tais como vo-las transmiti. (I Cor 11,2)
Pois a fé vem da pregação e a pregação é pela palavra de Cristo. (Rm 10, 17)
Um pequeno exemplo de um ensinamento fundamental ao cristão que foi transmitido apenas pela Tradição, é o Credo Apostólico, ou Símbolo dos Apóstolos, que não está registrado na Bíblia, mas sabe-se que foi professado pelos apóstolos e pelos primeiros cristãos.
Entendido que a Tradição e as Escrituras se completam como Palavra de Deus, é oportuno observar que a Bíblia isolada, separada da Tradição Apostólica, pode ser interpretada de diversas formas diferentes contraditórias à real interpretação, inclusive criando situações infundadas, baseadas em interpretações errôneas das Escrituras, assim como fez o próprio diabo:
o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito, e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra”. (Mt 4, 5-7)
Logo, pode-se criar “base bíblica” para corromper, enganar, atacar a verdade, proibir o que não se deve proibir, liberar o que não se deve liberar. Ora, é possível deturpar as Escrituras para “transformar” mentira em verdade e vice-versa. É possível usar as Escrituras para arruinar a vida do próximo e até a própria vida:
Isto mesmo faz ele em todas as suas cartas, ao falar nelas desse tema. É verdade que em suas cartas se encontram alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes torcem, como fazem com as demais Escrituras, para a sua própria perdição. Vós, portanto, amados, sabendo-o de antemão, precavei-vos, para não suceder que, levados pelo engano desses ímpios, venhais a cair da vossa firmeza.(2 Pe 3, 16-17)
Infelizmente essa é a realidade que vemos em milhares de grupos separados da Igreja Católica, que se apoiam nas Escrituras, mas que não se entendem entre si, pois não à interpretam da mesma forma: onde uns guardam o sábado, outros o domingo; uns batizam crianças, outros não; uns dizem que já estão salvos antecipadamente, outros não; uns calvinistas, outros arminianos; fora os Testemunhas de Jeová, Mórmons, Neo-Pentecostais, etc. A cada desavença vão fundando novas denominações e se separando cada vez mais, é a reforma da reforma sem fim, e cresce a cada dia o numero de “Desigrejados”.
Raciocinemos, não é difícil de entender que entre numerosos contraditórios, apenas um pode conter a verdade integral, enquanto todos os outros são falsos, ou no máximo contém verdades incompletas. Ora, trata-se de lógica, um de dois contraditórios deve ser falso.
Acaso o Deus perfeito, deixaria seus textos Sagrados à mercê de tantos erros? É obvio que não, é necessário que exista uma legítima interpretação das Escrituras. Deus, em sua infinita perfeição, nos deixou sua Igreja visível na terra (cf. Mt 16,18), que através da Sucessão Apostólica permanece até os dias de hoje, e para garantir que as Escrituras sejam compreendidas corretamente por nós, Deus guia a autoridade de ensino da Igreja – o Magistério – para que esta possa interpretar perfeitamente a Bíblia e a Sagrada Tradição. É a mesma autoridade dos bispos, que reunidos nos primeiros séculos, aprovaram o cânon da Bíblia.
Uma vez Palavra de Deus, sempre Palavra de Deus, pois Jesus é o mesmo, Jesus não muda, não se reforma. O Verbo de Deus não é subjetivo para ser interpretado relativamente, o Verbo é a verdade objetiva que nos foi revelada e deve ser transmitida (e, portanto, inerrante e perpétua). Pelo poder do Espirito Santo conferido por Cristo (cf. Jo 20,22), os sucessores dos apóstolos ensinam a doutrina e interpretam a Bíblia, certos de que elas não podem ser interpretadas de forma particular. Fazer uso do livre exame da Bíblia e tirar conclusões pessoais – que contradizem a legítima interpretação das Escrituras ensinada pelo Magistério da Igreja – é perigoso e pode levar à ruína, como já foi visto.
Deus, em Jesus, conforme nos prometeu, não permitirá que as portas do inferno prevaleçam sobre a Igreja legitimamente guiada por Ele em Pedro e no fundamento dos apóstolos:
Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra angular. (Ef 2, 20)
Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus. (Mt 16, 18-19)
Eis a dádiva da infalibilidade! Esses três elementos – a Bíblia Sabrada, a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério – são todos necessários para que haja a estabilidade da Igreja e para garantir a segurança da doutrina. Somente assim, temos certeza de que a verdade é a verdade, e a doutrina é a doutrina:
A Sagrada Tradição não deve ser confundida com a simples tradição humana, geralmente chamada de costume ou disciplina. Algumas vezes Jesus condenou os costumes ou disciplinas, mas somente quando estes contradiziam os Mandamentos de Deus (cf. Mc 7,8). Jesus nunca condenou a Sagrada Tradição e nem todas as tradições humanas.
A Sagrada Tradição e a Bíblia não são diferentes, nem são revelações concorrentes. Na verdade, são dois modos de como a Igreja segue o Evangelho. Os ensinamentos apostólicos como a Santíssima Trindade, o batismo das crianças, a infalibilidade da Bíblia, o purgatório e a virgindade perpétua de Maria, têm sido, de forma muito clara, demonstrada pela Sagrada Tradição, ainda que estejam implicitamente presentes (e não em contradição) na Bíblia. A própria Bíblia nos remete à Tradição, tanto na forma oral quanto escrita (cf. 2Ts 2,15; 1Cor 11,2).
Como dissemos, a Sagrada Tradição não deve ser confundida com os costumes e as disciplinas, como o rosário, o celibato sacerdotal e a proibição de comer carne nas sextas-feiras da Quaresma; tais costumes são bons e úteis, mas não doutrinas. A Sagrada Tradição preserva as doutrinas pregadas por Jesus primeiro aos seus apóstolos e, mais tarde, repassadas aos sucessores dos apóstolos, isto é, aos bispos.
As Sagradas Escrituras, que englobam o Antigo e o Novo Testamento, foram inspiradas por Deus (2Tm 3,16). Foi o Espírito Santo que guiou os autores bíblicos a escreverem aquilo que Ele desejava revelar. Já que Deus é o principal autor da Bíblia e Deus é a Verdade (cf. Jo 14,6), não pode Ele ensinar algo errado e, assim, a Bíblia está isenta de qualquer erro, em tudo que ela defende como Verdade.
Alguns cristão dizem: “A Bíblia é tudo do que preciso”, contudo, tal afirmação não se encontra na própria Bíblia. Na verdade, a Bíblia ensina justamente o contrário, como lemos em 2Pd 3,15-17. Além disso, a teoria de que “somente a Bíblia basta” nunca foi professada pela Igreja primitiva.
Trata-se, assim, de um conceito novo, surgido durante a Reforma Protestante do séc. XVI. Tal teoria é “tradição dos homens” que anula a Palavra de Deus, distorcendo a verdadeira regra bíblica e excluindo a autoridade da Igreja estabelecida por Jesus (cf. Mc 7,1-8).
Ainda que seja popular em muitas igrejas cristãs, a teoria de que “somente a Bíblia basta” simplesmente não funciona na prática. A experiência histórica desaprova essa ideia, pois a cada ano vemos surgir mais e mais religiões, cada qual com uma interpretação bíblica diferente.
Existem hoje dezenas de milhares de denominações, cada qual afirmando que sua interpretação particular da Bíblia é a correta. As divisões que geram causam confusões indescritíveis entre milhões de cristãos sinceros, mas desorientados.
Para se ter uma ideia, basta abrir as páginas amarelas da lista telefônica para verificarmos quantas denominações diferentes estão catalogadas, cada uma dizendo que “somente a Bíblia basta”, mas nenhuma concordando exatamente com a interpretação bíblica de todas as demais.
Porém, podemos ter a certeza de uma coisa: o Espírito Santo não pode ser o autor de toda essa confusão (cf. 1Cor 14,33). Deus não pode conduzir as pessoas através de crenças contraditórias já que a Verdade é uma só. Que conclusão podemos então tirar? De que a teoria que diz que “somente a Bíblia basta” [para o cristão] é falsa.
Juntos, o Papa e os bispos compõem a autoridade de ensino da Igreja, que é chamada de Magistério. O Magistério, guiado e protegido contra o erro pelo Espírito Santo, nos dá a certeza da doutrina. A Igreja defende e proclama a mensagem da Bíblia fiel e precisamente. Trata-se de uma tarefa da Igreja, autorizada por Deus.
Devemos ter em mente que a Igreja nasceu antes da redação do Novo Testamento; e não o inverso! Os membros da Igreja, inspirados por Deus, escreveram os livros que formam o Novo Testamento da mesma maneira como os escritores do Antigo Testamento também eram divinamente inspirados; e é a Igreja que é guiada pelo Espírito Santo para guardar e interpretar toda a Bíblia, tanto o Novo quanto o Antigo Testamento.
Assim, torna-se absolutamente necessário um intérprete oficial quando precisamos compreender a Bíblia apropriadamente (ora, todos nós sabemos o que diz a Constituição Federal, porém, cabe ao Supremo Tribunal Federal interpretá-la realmente).
O Magistério é infalível quando ensina oficialmente já que Jesus prometeu enviar o Espírito Santo para guiar os apóstolos e seus sucessores no conhecimento de toda a Verdade (cf. Jo 16,12-13).
Catholic Answers – Livro “Pillar of Fire, Pillar of Truth” (2ª ed.) traduzido por: Carlos Martins Nabeto.
Após finalizar a leitura desse nosso mero e limitado artigo, recomendamos fortemente que confiram o que os próprios sucessores dos apóstolos de nosso tempo, devidamente ordenados e legítimos membros da Sucessão Apostólica, escreveram sobre estes três pilares da Igreja, no Catecismo da Igreja Católica (C.I.C): A Tradição apostólica (C.I.C 75-83), a Sagrada Escritura (C.I.C 101-141) e o Magistério da Igreja (C.I.C 85-87; 888-892).
Por fim, vejamos o que testemunharam mais alguns dos primeiros sucessores dos apóstolos durante os séculos (Patrística):
Onde está Cristo Jesus, está a Igreja Católica. (Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir em ≅107 d.C., Epístola aos Esmirnenses 8, 2)
O primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que há uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só rebanho, que deve ser apascentado por todos os apóstolos em unânime harmonia. Aquele que não guarda esta unidade, proclamada também por Paulo, poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na Igreja? (São Cipriano de Cartago, †258)
Levemos em conta que a própria tradição, ensinamento e fé da Igreja Católica, desde o princípio, dadas pelo Senhor, foi pregada pelos apóstolos e foi preservada pelos pais. Nisto foi fundada a Igreja; e se alguém se afasta dela, não é e nem deve mais ser chamado Cristão. (Santo Atanásio, Carta a Serapião de Thmuis, 359 d.C.)
Desde que o Verbo Encarnado desceu até nós, todas as Igrejas cristãs de todo o mundo tiveram e têm a grande Igreja que vive aqui (em Roma) como única base e fundamento, porque, segundo as próprias promessas do Salvador, as portas do inferno nunca prevalecerão sobre ela. (São Máximo, o Confessor, †662 d.C.)
Referências: Veritatis Splendor / Catholic Answers – Livro “Pillar of Fire, Pillar of Truth” (2ª ed.) traduzido por: Carlos Martins Nabeto. / Apologistas Católicos / Padre Paulo Ricardo / Vatican.va / Católicos Online.